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A Fundação Memorial da América Latina inaugurou a exposição “Graphias – do Papel ao Pixel”, na quarta-feira, 16 de dezembro de 2009, na Galeria Marta Traba. Trata-se da última grande mostra internacional da cidade de São Paulo de 2009 e a primeira de 2010, com a participação especial de artistas uruguaios, além brasileiros e representantes dos EUA, Peru e África do Sul, entre outros países. A exposição fica em cartaz até o final de janeiro de 2010. “Graphias” oferecerá ainda oficinas e encontros com artistas. A programação poderá ser conferida neste site no início do ano que vem.
Com “Graphias – do Papel ao Pixel”, mais uma vez, o Memorial cumpre sua missão de fomentar, integrar e divulgar as diversas manifestações culturais da América Latina, em um mundo que é cada vez mais uma “aldeia global”, como queria McLuhan. Mais que isso, “Graphias – do Papel ao Pixel” insere-se na linha museológica adotada há dois anos pelo Conselho Curador da Galeria Marta Traba, que incentiva e abre espaço para curadores e artistas contemporâneos que estão construindo a nova cartografia das artes paulista, brasileira e latino-americana. Isso sem prejuízo das mostras ontológicas de artistas latino-americanos consagrados e das exposições especiais, que sempre caracterizaram a Galeria Marta Traba.
Saulo di Tarso é o curador de “Graphias – do Papel ao Pixel”. Sua relação com o Memorial iniciou-se com a organização de uma justa homenagem ao talvez maior gravador brasileiro vivo, em 2006: a exposição “Mário Gruber e a Metafísica dos Planos”. Desde então tem viajado a América Latina para conhecer o que os artistas têm feito por lá. A história a seguir serve para ilustrar o “método” de Tarso:
Quando estava em Porto Alegre para visitar a Bienal do Mercosul, resolveu de última hora estender a viagem a Montevidéu. “Foi intuição”, relembra, “precisava entrar em contato com esses artistas.” Para Saulo “há um desejo de comunicação no Cone Sul” que vai render muitos frutos, ele acredita.
Uma vez em Montevidéu, Saulo se dirigiu a uma tal de Galeria Latina. Lá se deparou com a obra que se tornou emblemática desta exposição no Memorial: “Obra de Arte Tangible”. Trata-se de um cubro branco com a inscrição “Obra de Arte Tangible”. Foram feitos 13 cubos similares e espalhados por locais estratégicos da cena artística da capital uruguaia. Isso fez parte de uma iniciativa artística chamada “Interferência no Sistema” .
Bem, Saulo perguntou de quem era esse cubo, mas não quiseram falar. E lá foi ele pelas galerias uruguaias, a procura da “arte tangible”. Finalmente, não só achou as autoras (Eugenia González e Augustina Rodrigues, da Toll Gallery), como entrou em contato com um coletivo de artistas muito ativos na cidade, auto-denominado Fundación de Arte Contemporanea, alguns deles presentes nesta exposição do Memorial.
Saulo também entrou em contato com outras redes de artistas, como a representada pela revista de arte espanhola “Rojo” (http://rojo-magazine.com), que articula 28 galerias associadas no mundo, com mais de 2 mil artistas. Ele estendeu seus tentáculos até o continente africano e trouxe o graffiti de Faith 47, da Cidade do Cabo, África do Sul. Uma de suas constatações é que não há discrepâncias entre o que é feito em regiões diferentes da América Latina, Europa e África. “Não existe uma estética sem a outra”, garante Saulo.
Marita Ibañez Sandoval (www.maritaibanez.blogspot.com) é uma “artista visual” que Saulo conheceu e “capturou” pela internet, mais precisamente pelo facebook. Ela veio a São Paulo apresentar sua obra, que consiste em fotos de cenários urbanos acizentados, do centro e da periferia de Lima, capital de seu país (à direita). Após percorrer a cidade, ela fotografa cenários que a inquietam, imprime-os e desenha em cima, como que querendo inscrever diretamente na imagem as inscrições dos muros e pixações das paredes da grande cidade. “É incrível como esse meu trabalho poderia ser feito a partir de São Paulo”, ela diz sobre a cidade que não conhecia.
Já Jaqueline Lacasa também usa a fotografia para criar cenários que remetem a imagens históricas de seu país, o Uruguai, mas que criticam o presente. Por exemplo, ela montou um cenário que lembra o quadro clássico “La paraguaya”, de Juan Manoel Blanes, que retrata uma mulher na época da Guerra do Paraguia. Só que ela se introduziu na imagem, deixando-se fotografar lá. A obra chama-se “A uruguaia”. A autora támbém trouxe um videoarte, na qual comparece "cavalgando" um touro, semelhante àquele famoso que se encontra em frente a Wall Street e que simboliza a maior bolsa de valores mundial e a essência do capitalismo.
Outro trabalho interessante é o de Agustin Sabella, também uruguaio. Ele procurou pelas ruas de São Paulo uma porta de geladeira abandonada. Acabou comprando em um ferro-velho perto do Memorial uma porta de armário antigo. Com spray vermelho, tinta amarela e a palavra “Chaos” estilizada, Sabella fez um readymake dos mais singelos e interessantes da exposição (foto ao lado).
Uma das obras mais instigantes da mostra é a do uruguaio Javier Abreu: uma pequena caixa preta sobre um pedestal branco no centro da galeria. Dentro dela um maço de dólares. Na primeira nota, a inscrição “Curador & Artista”. Quando se folhea os dólares, pode-se ver a imagem animada do artista pegando por trás e sodomisando o curador. Uma vingança contra o mercado e a mercantilização crescente da obra de arte?
“Essas obras representam o caos das cidades e um desejo de movimentação que caracterizam nossa época”, diz Saulo. Os artistas presentes, entre eles, cerca de 20 brasileiros, estavam interessados no “intercâmbio de diversas linguagens e suportes, nessa comunicação e contato que só uma exposição coletiva proporciona”, resume o curador.
Confira a relação completa dos artistas e saiba mais sobre a exposição
Por Eduardo Rascov
Fotos Fábio Pagan