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O conjunto arquitetônico de 84 mil metros quadrados projetado por Oscar Niemeyer amanheceu cercado por milhares de pessoas neste domingo, 6 de dezembro de 2009. Desde as 6 da manhã elas foram chegando calmamente e pegando seu lugar na fila indiana. Eram bolivianos, que vinham em massa à Fundação Memorial da América Latina para votar para presidente da república de seu país, cuja eleição se dá hoje.
O clima era de liturgia, respeito pelos símbolos cívicos e festa democrática. Os trabalhos eram coordenados por Jorge Gonzales (de colete abóbora na foto, ao lado de Fernando Leça e Jaime Valdívia Almanza), respeitado membro da comunidade boliviano em São Paulo. Por estar há 30 anos no Brasil e exercer evidente liderança entre os emigrados, ele foi escolhido pela Corte Nacional Electoral para organizar o pleito no Memorial.
Antes de abrir a sessão, Jorge Gonzales destacou que a Corte Nacional Electoral é uma entidade independente, não ligada a nenhum partido ou governo. E que eles estavam implantando, nessas eleições, o cadastramento biométrico, "o mais adiantado e que evita fraudes". De fato, esse "padrón electoral biométrico" compara digitalmente as impressões digitais do inscrito com a do votante, que têm que ser as mesmas, naturalmente.
Em nome da República Plurinacional da Bolívia, Jorge Gonzales agradeceu o apoio recebido do corpo consular da Bolívia em São Paulo e do Memorial da América Latina. Às 8 da manhã o presidente do Memorial Fernando Leça já estava no local de votação, e teve a oportunidade de enfatisar pessoalmente que é "nossa obrigação colaborar com os países latino-americanos. E nesse caso, mais ainda, é um privilégio e um prazer".
É a primeira vez que os imigrantes bolivianos podem votar do exterior. Para muitas que vieram ao Memorial, era a primeira vez que estavam votando na vida. Podia-se notar a maioria de jovens esperançosos no futuro de sua pátria, a Bolívia, esperançosos no futuro de sua vida de trabalho e aprendizado no país que os acolhera, o Brasil.
Moises Capo Pinaya está há 5 anos no Brasil, por exemplo. Trabalha com costura no Belenzinho. Cabelos negros, grossos, lisos, tez morena, restaurações de ouro na boca – não há dúvidas, eis um indígena boliviano cujo imaginário carrega milhares de anos de cultura. Ele acaba de depositar seu voto na urna. O que sentiu? “Para mim foi como fazer amor pela primeira vez. Entrei para a história do meu país”, disse, me surpreendendo com a força da sua imagem. “Fizemos muitos sacrifícios na vida e agora temos nosso direito reconhecido, como qualquer cidadão da Bolívia”, complementa.
É difícil de calcular o número de bolivianos no Brasil, fala-se em pelo menos 250 mil, mas muitos não são registrados. Bolivianos de todas as idades continuam chegando, atraídos pelo boom econômico do Brasil. É o caso, por exemplo, de Nemésia Almanza (foto acima), 70 anos, que vive no Brasil há apenas oito meses. “É muito bonito votar aqui”, diz, depois de afirmar que fazia questão de participar de todas as eleições quando morava em La Paz.
Na Argentina há mais bolivianos que no Brasil, assim como na Espanha e nos EUA. Divulga-se que mais de dois milhões de bolivianos vivem no exterior, isso para uma população de nove milhões na Bolívia. Foi pensando nesses votos e em restituir a cidadania a essa parte da população que o governo de Evo Morales tentou dar amplo direito ao voto a todos eles. Mas esse projeto foi barrado pela oposição no Senado. Finalmente, chegaram a um acordo: apenas 6% do total do eleitorado inscrito na eleição passada (cerca de 4 milhões de eleitores) poderia votar no exterior.
Isso significa que 240 mil cidadãos bolivianos podem participar da eleição mesmo tendo deixado o país. Esse total foi dividido proporcionalmente ao número de bolivianos oficialmente registrados nos consulados de cada país. Ao Brasil coube a cota de 22 mil eleitores. Esses tinham que se apresentar voluntariamente para se registrar e depois votar. O consulado geral da Bolívia em São Paulo conseguiu registrar 18.600 eleitores, através do "Poupatempo boliviano" (Centro de Documentação) montado no próprio Memorial. Houvesse mais tempo e divulgação e eles atingiriam a cota.
No Brasil, apenas em São Paulo se montou colégios eleitorais. O principal deles é o do Memorial, que recebe 5.800 votantes. Há colégios eleitorais também em três cidades da Argentina e da Espanha e em 4 cidades dos Estados Unidos. Segundo Jaime Valdívia, cónsul geral da Bolívia em São Paulo, "o presidente Evo Morales é o favorito à releição, com cerca de dois terços dos votos. Isso deve se reproduzir no congresso também, o que é importante para consolidar as mudanças estruturais que a nova constituição promulga".
Por Eduardo Rascov
Fotos Fábio Pagan