Principais trechos

Principais trechos

*Esse texto faz parte do artigo Cultura latino-americana: conheça o enredo de um amor em tempos de epidemia, produzido pela Equipe do Cbeal

Sem spoilers, o site Memorial da América Latina destaca alguns dos principais trechos de O amor nos tempos do cólera para aguçar ainda mais o desejo de leitura. Boa viagem!

Amor de cinquenta e um ano anos, nove meses e quatro dias

“Florentino Ariza, por outro lado, não deixara de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores longos e contrariados, e haviam transcorrido a partir de então cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias.”

“Florentino Ariza nunca mais teve a oportunidade de ver a sós Fermina Daza, nem de falar a sós com ela nos tantos encontros de suas mui longas vidas, até cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias mais tarde, quando lhe reiterou o juramento de fidelidade eterna e amor para todo o sempre em sua primeira noite de viúva.”

“Mas então foi ele e não elas quem mudou de calçada para que não lhe vissem as lágrimas que não podia mais reprimir, não desde a meia-noite, como ele acreditava, porque estas eram outras: as que trazia atravessadas na garganta há cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias.”

O amor à Deusa Coroada

“Mas Fermina Daza estava mudada sem o uniforme escolar, pois vestia uma túnica de linho com muitas pregas que lhe caía dos ombros feito um peplo, e tinha na cabeça uma grinalda de gardênias naturais que lhe dava a aparência de uma deusa coroada. Florentino Ariza se sentou na praça, onde tinha certeza de ser visto, e então não apelou para o recurso da leitura fingida, permanecendo com o livro aberto e os olhos fixos na donzela ilusória, que não lhe retribuiu sequer com um olhar de caridade.”

“Na sua carta desse dia, Florentino Ariza confirmou que ele tinha feito a serenata, e que a valsa tinha sido composta por ele e tinha o nome pelo qual conhecia Fermina Daza em seu coração: A Deusa Coroada.”

“Florentino Ariza, de sua parte, se pôs a revolver saudades com o violino da orquestra, e em meio dia já era capaz de executar para ela a valsa da Deusa Coroada, que tocou durante horas até que o fizeram parar à força.”

A descrição do amor

“Ela lhe parecia tão bela, tão sedutora, tão diferente da gente comum, que não compreendia que ninguém se transtornasse como ele com as castanholas dos seus saltos nas pedras do calçamento, ou tivesse o coração descompassado com os ares e suspiros de suas mangas, ou não ficasse louco de amor o mundo inteiro com os ventos de sua trança, o vôo de suas mãos, o ouro do seu riso.”

Solidão

“Florentino Ariza velava a maior parte da noite, acreditando ouvir a voz de Fermina Daza na brisa fresca do rio, apascentando a solidão com a lembrança dela, ouvindo-a cantar na respiração do navio que avançava nas trevas com passos de bicho grande, até que apareciam as primeiras franjas rosadas no horizonte e o novo dia rebentava de repente sobre campinas desertas e pântanos de névoa.”

O amor na maturidade

“O comandante olhou Fermina Daza e viu em suas pestanas os primeiros lampejos de um orvalho de inverno. Depois olhou Florentino Ariza, seu domínio invencível, seu amor impávido, e se assustou com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.

— E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir […] — perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinqüenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.
— Toda a vida — disse.

Quarentena

“Antes de um ano, seus alunos do Hospital da Misericórdia lhe pediram que os ajudasse com um enfermo indigente que apresentava uma estranha coloração azul em todo o corpo. Bastou ao doutor Juvenal Urbino vê-lo da porta para reconhecer o inimigo. Mas a sorte ajudou: o doente tinha chegado três dias antes numa goleta de Curaçau e tinha ido à consulta externa do hospital por seus próprios meios, não parecendo provável que houvesse contaminado ninguém. Por via das dúvidas, o doutor Juvenal Urbino preveniu os colegas, conseguiu que as autoridades transmitissem o alarma aos portos vizinhos com o fim de localizar e pôr em quarentena a goleta empestada, e teve que moderar o chefe militar da praça, que queria decretar a lei marcial a aplicar de pronto a terapêutica do tiro de canhão a cada quarto de hora. […] O doente morreu quatro dias depois, sufocado por um vômito branco e granuloso, mas nas semanas seguintes não se descobriu nenhum outro caso, apesar do alerta constante. Pouco depois, o Diário do Comércio publicou a notícia de que duas crianças tinham morrido de cólera em diferentes lugares da cidade. Comprovou-se que uma delas tinha disenteria comum, mas a outra, uma menina de cinco anos, parecia ter sido, com efeito, vítima do cólera. Seus pais e três irmãos foram separados e postos de quarentena individual, e todo o bairro foi submetido a uma vigilância médica estrita.”

“O comandante disse que só era possível por hipótese. A C.F.C. tinha compromissos trabalhistas que Florentino Ariza conhecia melhor que ninguém, tinha contratos de carga, de passageiros, de correio, e muitos mais, incontornáveis em sua maioria. A única coisa que permitia saltar por cima de tudo era um caso de peste a bordo. O navio se declarava de quarentena, içava-se a bandeira amarela e se navegava numa emergência. O comandante Samaritano tinha tido que fazê-lo várias vezes devido aos muitos casos de cólera aparecidos no rio, embora as autoridades sanitárias obrigassem logo os médicos a expedir certificados de disenteria comum.

Além disso, muitas vezes na história do rio içava-se a bandeira amarela da peste para burlar impostos, para não recolher um passageiro indesejável, para impedir buscas inoportunas. Florentino Ariza encontrou a mão de Fermina Daza por baixo da mesa.
— Pois bem — disse — façamos isso.”

“O comandante respondeu que só traziam três passageiros, e todos tinham o cólera, mas se mantinham em reclusão estrita. Nem os que deviam embarcar na Dourada, nem os vinte e sete homens da tripulação, tinham tido qualquer contato com eles. Mas o chefe da patrulha não ficou satisfeito, e mandou que saíssem da baía e esperassem no pântano das Mercês até as duas da tarde, enquanto se preparavam os trâmites para que o navio ficasse de quarentena. O comandante soltou um palavrão de carroceiro e com um gesto da mão mandou o prático dar a volta completa e voltar aos pântanos. Fermina Daza e Florentino Ariza tinham ouvido tudo da mesa, mas pouco pareciam importar ao comandante.”

Governo do Estado de SP