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O vento patagão sopra dia e noite, aquietando-se somente ao amanhecer.
Antes dos primeiro raios, preparo o bote e entro no lago como se entrasse em um santuário. Apenas uma brisa leve agita a superfície, criando esculturas fugazes com a água. Escuta-se o canto solitário de um pássaro, a gravidade do remo na água e, acima de tudo, um silêncio que parece anteceder o mundo.
O lago Lácar que, nos seus confins, une-se ao Nontué. Patagônia.
A rocha, a água e as velhas árvores cobertas de liquens se encontram em íntima festa.
Em qualquer lugar da alvorada, de repente, o vento serena, se detém. As águas acalmam-se e se transformam em um espelho …. e, como por milagre, o mundo das rochas, das árvores e liquens se duplica, como se uma mão invisível retirasse os véus do segredo, e tudo fica mais frágil e mais íntimo. A margem é reproduzida na água, e os seres que habitam seus limites manifestam-se profundos e te observam.
E ali, em uma solidão povoada de mitos, respirações e sutis reflexos, avanço reverencioso, sabendo que um remo demasiado veemente, um movimento brusco, uma mínima rajada de vento, quebraria o feitiço, o santuário; e que os deuses, aqueles que foram relegados ao esquecimento com a chegada do Deus único, esconder-se-iam novamente nas brumas do olvido.