/governosp
Presidente da fundação promete ampliar a programação, buscando maior integração entre os países do continente
(íntegra da matéria publicada no jornal Estado de S.Paulo em 20/01/06)
Fernando Leça
O Memorial procurou valorizar, no ano que passou, o seu papel como centro difusor da cultura da América Latina, ainda que em algumas áreas, por limitações de natureza financeira e, principalmente, pelo estabelecimento de prioridades que contemplaram, no mais alto grau, a revitalização física do conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, essa dimensão latino-americana não tenha estado sublinhada como desejaríamos. Na área da musica isso ocorreu um pouco, se bem que resguardada a qualidade e a diversidade da programação musical brasileira.
Em outros setores, essa característica latino-americana foi marcante nas atividades do Memorial, a partir de uma base de cooperação assentada no governo de São Paulo, especialmente na Secretaria de Cultura do Estado, além de outros parceiros internos, e nas representações diplomáticas, sobretudo os Consulados e algumas Embaixadas, numa integração que pretendemos aprofundar neste ano, ampliando as ações e parcerias já iniciadas com instituições nacionais e regionais, universidades, museus, áreas governamentais e grupos empresariais de origem ou com forte presença na América Latina. Faz-se necessário e urgente que o isolamento cultural e o recíproco desconhecimento dêem lugar a um forte intercâmbio cultural e artístico. E o lócus adequado para essa conexão latina é o Memorial.
Darcy Ribeiro, inspirador de sua criação, insistia na importância de existir um espaço como o Memorial da América Latina, para dar concretude ao sonho de uma só América, unida e fraterna, que foi o sonho de Simon Bolívar. O conceito de espaço incorpora – claro está – a monumentalidade da concepção arquitetônica de Niemeyer. Mas supõe também uma mudança do modelo mental que nos remete sempre aos paradigmas europeu e norte-americano, agregando outras referências que integram esta realidade latino-americana, afinal a nossa circunstância. O Brasil e, especificamente, São Paulo têm as condições e a legitimidade necessárias para promover essa desejável integração.
É por isso que estamos planejando uma programação cultural e artística com forte conotação latino-americana para 2006, na música, no cinema, nas artes plásticas, na museologia, na literatura e na editoração, estimulando também o exercício do pensamento, através de seminários, congressos, debates, pesquisas e reflexões que permitam um melhor conhecimento dessa realidade e, a partir daí, da identidade comum.
Há muitas coisas pensadas, programadas e viabilizadas, das quais desejo destacar algumas que me parecem submetidas a essa disposição integradora que está, aliás, assentada na própria missão do Memorial. Uma delas é a que levará à instalação, em março, da Cátedra Memorial da América Latina, a ser instituída formalmente em conjunto com as três universidades públicas de São Paulo – USP, UNESP e UNICAMP – envolvendo a participação de outras instituições, no Brasil e no exterior, além de empresas mantenedoras. Dessa Cátedra, favorecida pela excelência do espaço acadêmico de três das melhores universidades do continente, sairão especialistas em América Latina, a partir do recrutamento de jovens universitários de vários países, que terão o privilégio de se preparar, como bolsistas, com renomados catedráticos, em temas específicos eleitos para cada período.
No final de março, marcando os 15 anos do Tratado de Assunção, que lhe deu origem, o Mercosul será discutido por especialistas da região, ensejando uma ampla e crítica análise dos resultados e dos desencontros, dos acertos e equívocos, do que seria e não foi e, sobretudo do que é possível fazer para corrigir os rumos desse arranjo geopolítico que se apresentava promissor e embrionário de uma grande integração comercial latino-americana. Será coordenador do Seminário Mercosul 15 Anos o embaixador Rubens Barbosa, ele próprio um destacado especialista no assunto.
Mas o evento para o qual desejo especialmente chamar a atenção dos leitores, pela sua maior proximidade e importância intrínseca, é o Projeto Presidentes da América Latina, entregue à coordenação do ex-ministro Celso Lafer e constituído de um conjunto de reflexões que reunirá no Memorial, nos próximos dois meses, alguns dos ex-presidentes da América Latina, entre eles Fernando Henrique Cardoso, que abre a série no dia 7 de fevereiro e o atual presidente do Chile, Ricardo Lagos, que estará em São Paulo depois de fazer a transmissão do governo à presidente recém-eleita, Michelle Bachelet, no dia 11 de março. Deverão ainda confirmar presenças o ex-presidente Duhalde, da Argentina, Gaviria, da Colômbia, e Oscar Arias, prêmio Nobel e ex-presidente da Costa Rica, entre outros convidados. Será uma boa contribuição para a melhor compreensão desta complexa realidade latino-americana, com ênfase para a análise do processo democrático no continente, sua evolução e consolidação.
Fernando Leça é o atual presidente da Fundação Memorial da América Latina. Foi deputado estadual em dois mandatos (l983/91) e secretário-chefe da Casa Civil (com Mário Covas) e secretário particular e também do Emprego e Relações do Trabalho, com Alckmin.