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Abre nesta quinta, 5 de agosto, na Galeria Marta Traba, às 19h, a exposição “1ª Bienal de Estampa Contemporânea Mexicana”. Trata-se de uma mostra de trabalhos recentes de grandes gravadores mexicanos, que participaram da “1ª Bienal” promovida pelo Museo Nacional de La Estampa, na Cidade do México, no ano passado. A curadoria é de Lluvia Sepúlveda, diretora do Museo Nacional de La Estampa.
O México tem grande tradição na velha arte da gravura em suporte tradicional, mas afinal o que é gravura (ou “estampa”, para os falantes do espanhol) na atualidade? Sim, o conceito se expandiu, como explica Lluvia: “Gravura é uma disciplina em constante transformação, aberta ao ensaio, à experiência e à expansão de seus suportes materiais e limites técnicos. Do ponto de vista contemporâneo, deve-se entender que a estampa não é mais o resultado plástico de uma série de fórmulas e procedimentos mecânicos ou digitais, mas, por si mesma, é um tipo de processo em que cada um dos passos e estados são susceptíveis à variação ou integração com outros meios, sem abandonar as técnicas tradicionais como a gravura e a estamparia. É a arte que permite a interação do acaso e a aleatoriedade como parte inerente da criação artística- antes menosprezadas pelas rígidas fórmulas acadêmicas”.
Participam da exposição os seguintes artistas mexicanos: Letícia Bojalil, Bela Gold, Victor Esparza, José Sánchez, Gustavo Pérez, Jaime Martínez, Mónica Michel, Cesar López, Jakú, Ernesto Franco, Edson Mendoza, Patrícia Fierro, Emilio Stoupignan, Emiliano Parra, Ana Paula Gómez, Cesar Chávez, Oliver Morales e Martha Montaño.
A exposição vai até 7 de setembro e está aberta ao público de terça a domingo, das 9 às 18h. A entrada é franca.
Leia a seguir o restante do texto de Lluvia Sepúlveda, que será publicado no catálogo da mostra.
Gravura, arte expandida.
A princípio, é importante mencionar que a imprecisão na definição dos termos mais genéricos e extensos como “gravura” ou “obra gráfica” dão a impressão de ocultar, atrás de si, uma realidade inacessível aos não iniciados no estudo da arte. O mito da gravura se levanta sobre os fundamentos de sua própria gênese, ou seja, permite a reprodução de uma obra original, ou em outras palavras, apresenta sua multiplicidade. Este último volta-se diretamente contra um dos pilares mais sólidos da cultura ocidental, que é a sacralização da obra única e de seus rituais.
Visto a partir deste cenário, a gravura tem sido acusada de estar excessivamente sujeita aos processos técnicos. Porém, desde o final do século XX, a arte contemporânea maneja conceitos de formação, assim como os de repetição da imagem, interferência icônica ou apropriação; todos eles presentes (ainda que em alguns casos de forma latente) na prática habitual da gravura e a estamparia ao longo dos séculos, até o ponto em que eles são parte de suas idiossincrasias e de seu fértil potencial criativo. Em paralelo, a arte do fim do século e a do início do novo milênio -que é mais ligada à provocação e conscientização social- está utilizando, em abundância, temas e motivos que, em outra época, eram culturalmente marginais e que pertenceram durante séculos com exclusividade à gravura na sua dignidade de “arte menor”, como são o erotismo, o escatológico, a sátira social, a política, etc.
Com o termo genérico "gravura", nos referimos a uma grande variedade de manifestações da obra gráfica em papel, cuja principal ligação se encontra no caráter múltiplo da imagem. No entanto, estritamente falando, à obra reproduzida no papel é reservado o nome de estampa, deixando a placa entalhada para a gravura. Neste sentido, fica de fora a denominação de “gravura” às estampas que não são feitas com corte ou talha, como a litografia ou a serigrafia, entre outros espontâneos e diretos como o monotipo, frotagge, prochoir, estêncil e outros, mas também exclui as intervenções de parede e outros materiais de suporte, todos eles órfãos acolhidos sob o conceito e a prática mais geral do que é conhecido como sistema de estamparia. Em termos mecânicos, o princípio unificador de uma grande variedade de procedimentos que compõem o universo da gravura, é a existência de uma imagem sobre um suporte ou matriz que permita sua reprodução. Se nos aproximamos à expressão técnica, as possibilidades de encontrar um princípio unificador entre a riqueza de possibilidades gráficas desaparecem, para agrupar-se em famílias: a calcográfica, a xilográfica, a litográfica, etc. Se nos limitássemos a chamar propriamente a cada obra gráfica pelo meio mais concreto com que tem sido realizada, o repertório ou o encadeamento pode chegar tomar um certo distanciamento, e seria preciso distinguir entre as famílias de técnicas dentre estas dezenas de processos, suas variações e combinações. Sem desejos de evadir a necessária identificação das técnicas para a correta documentação e pesquisa histórica estética da disciplina, o que devemos levar em consideração é que nos distintos procedimentos técnicos e familiares, são para o gravador um repertório instrumental no seu potencial que enriquece e permite a inovação gráfica. Nesse sentido, considera-se o espaço do suporte, podendo ser papel ou outro material, e da matriz como locais abertos à continua intervenção das distintas técnicas tradicionalmente apresentadas separadamente.
Essa mistura de meios é o resultado de uma profunda mudança de atitude em relação à intocável diversidade técnica que parecia dominar nas artes gráficas, e que agora fica instrumentalizada, tendo como fim principal o resultado plástico procurado pelo artista, e não tanto a fidelidade para um único meio determinado. Sendo assim, a condição técnica da gravura se estabelece entre dois pólos, um representado pela norma nos procedimentos e o outro que permite a possibilidade de digressão e inovação. O gravador contemporâneo se desenvolve na tensão entre sua habilidade para a transformação da matéria e a sua capacidade intelectual para resolver novos problemas. Não nos esqueçamos que trabalha sempre num estado de incerteza: a de criar as condições idôneas para registrar sobre a matriz os elementos da plástica que aparecerão na estampa final, ou seja, o gravador trabalha no campo do virtual, em um meio indefinido ou imediato, em constante expansão de suas possibilidades materiais, espaços de ação e procedimentos.
por Lluvia Sepúlveda